sábado, 16 de abril de 2016

Ritmo acelerado - morando em duas cidades

Pouco antes de acabar o ano de 2016, fui informado de que eu seria o mais novo estagiário da Toradex, empresa suíça que projeta e vende computadores em módulo de classe industrial, também conhecidos como CoM ou SoM (computer on module e system on module, respectivamente). Foi uma surpresa muito agradável, tendo em vista que eu esperei ansiosamente por este resultado positivo, porém este bônus veio acompanhado de um ônus não raro dentre os estudantes de cursos superiores: mudar de cidade.
O ato da mudança em si ou o fato de ter que planejar uma nova vida não me causaram surpresa, todavia me vi em uma situação um tanto quanto complicada e que requer algum detalhamento para que possa ser compreendida.
  • São Carlos, onde estudo, fica a aproximadamente duas horas de carro de Valinhos, onde está localizado o escritório da Toradex.
  • Em algum ponto entre as duas cidades também está localizada a cidade de Americana, onde reside o meu pai.
  • Na minha condição de estagiário, as únicas obrigações restantes para com a universidade seriam as horas de estágio - 180 horas no total - e a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso.
  • Meu projeto de TCC tem um caráter de automação para o qual minha presença seria necessária no laboratório eventualmente e, portanto, meu vínculo com a cidade de São Carlos haveria de durar até o final do semestre.
  • O estágio requer 30 horas semanais, portanto escolhi trabalhar de terça a quinta em tempo integral e às sextas-feiras somente para complementar as horas. Assim, eu teria 3 dias e meio disponíveis para dedicar ao TCC, salvo exceções.
A partir desta situação na qual eu me encontrava, surgiu o questionamento:

Onde morar?

Com ao menos 3 dias e meio da semana dedicados ao estágio, não parece muito difícil a escolha de morar em Valinhos. No final, foi esta a decisão que tomei, porém antes de chegar a ela levantei alguns questionamentos e soluções alternativas foram esboçadas: pensei em continuar morando em São Carlos, já que eu dispunha de um apartamento mobiliado e cujo contrato de aluguel estava acertado há tempos e, além disso, também pesava o fato de que eu teria acesso fácil ao laboratório do TCC. Quanto a Valinhos, cogitei me hospedar na casa do meu pai de terça a sexta.

Após pensar por algum tempo, percebi que esse plano teria um custo elevado, senão financeiramente, fisicamente. Eu precisaria viajar toda terça-feira de madrugada para Valinhos e durante a semana, de Americana para Valinhos e vice-versa, percurso que demora até duas horas pra ir e duas pra voltar. Além disso, se em algum final de semana eu quisesse ficar em Valinhos, ou mesmo durante a semana eu estivesse cansado e desejasse pernoitar, isso não seria possível.

Fiquei mais inclinado ainda a fixar residência em Valinhos quando surgiu a possibilidade de dividir apartamento com outros dois novos integrantes da Toradex, que também vinham de São Carlos e que embora não fossem meus conhecidos, eram pessoas em quem eu confiava; além disso, toda a mobília do meu apartamento seria transportada para Valinhos com um custo dividido por 3 pessoas. Quanto a São Carlos, eu poderia me hospedar na república de alguns amigos durante os finais de semana, assim resolvendo a questão do TCC.

A nova rotina

Consegui me mudar por completo três semanas após começar a trabalhar e tracei minha rotina pensando que eu não iria toda semana para São Carlos, o que significa que aos finais de semana eu faria tarefas domésticas como lavar roupas, arrumar o apartamento, praticar meu gerenciamento financeiro, dentre outras tarefas. Com o prazo para a apresentação do TCC encurtando, a necessidade de ir para Sanca se tornou rotina; nos poucos finais de semana restantes precisei ir para a casa do meu pai; não sobrou nenhum final de semana para permanecer em Valinhos. Com isso, considero que passei a morar em duas cidades: Valinhos durante a semana e São Carlos aos finais de semana.

Durante a semana, eu acordava às 6 da manhã ou até mais cedo, o que me dava tempo para fazer algo útil além de me arrumar para o trabalho - geralmente alguma análise das minhas finanças ou alguma tarefa do TCC. Das 8 em diante, era foco no trabalho até as 18h. Então, se eu fosse para casa, até que eu acabasse de jantar e descansasse um pouco, já eram cerca de oito da noite, sendo otimista. Se fosse comer fora com alguém do trabalho, o tempo podia se alongar. Além disso, nem toda noite eu conseguia me concentrar no TCC, pois é difícil passar o dia trabalhando em um assunto e continuar com ele após chegar em casa, dia após dia. Algo entre 10 e meia noite era a hora de dormir.

De sexta a terça de manhã as coisas mudavam um pouco. Às vezes eu conseguia uma carona para Sanca e às vezes a ida era de ônibus. Chegando lá o foco deveria ser no TCC, mas dentre os meus defeitos às vezes eu me perdia conversando com alguém ou mesmo mentalmente exausto demais para trabalhar. À noite, provavelmente haveria alguma festa para ir ou mesmo ficar bebendo e conversando com o pessoal da república - é meio difícil ir dormir ou focar no TCC quando o seu quarto é a sala e todo mundo está lá bebendo e conversando. Este é também um ponto de desgaste após um tempo, pois quando você dorme em um canto improvisado, acorda sem saber direito onde está, cansado e com vontade de ir pra casa.

Começando o sábado, se eu estivesse em condições, iria para o laboratório trabalhar, senão ficava na república e tentava trabalhar de lá mesmo. Aí é algo que fica um pouco difícil de explicar, mas em alguns dias as coisas engajavam e eu conseguia render horrores, já em outros dias as horas passavam e a sensação era de permanecer no mesmo lugar. Se os embalos de sábado à noite ajudassem, no domingo de manhã eu iria andar de skate; em caso contrário, eu iria à tarde. O resto do dia era de trabalho.

Segunda-feira eu me via obrigado a passar o dia no laboratório, já que era o único dia que me restava para ter a ajuda do mecânico do departamento. Mesmo tendo a sorte de o mecânico ser muito competente e parceiro, ainda assim as coisas andam a passos de tartaruga quando é um dia por semana. Voltando para a república, geralmente ficava acordado até muito tarde para então madrugar e ir direto para o trabalho em Valinhos, de carona. Teve dia que eu cheguei a dormir somente duas horas e, até agora não sei muito ao certo como consegui ir até o fim.

Saúde em jogo

Com pouco sono, muito trabalho, a pressão autoimposta porém crescente de entregar um TCC impecável, skate embaixo de um sol de rachar, compromissos sociais extenuantes, gerenciamento financeiro no fio da navalha e uma sensação constante de não saber exatamente onde estou, a vida cobra um preço. Não precisa ser especialista pra perceber que isso não é muito saudável. E eu percebi, com o tempo.

O estresse consome uma energia extra incrível: você chega em casa e pensa que não pode desperdiçar seu tempo descansando ou com lazer, tão escasso que ele é, então a próxima meia hora é dedicada a uma pequena crise de desespero, até que seja possível retomar o controle. Também notei um aumento na frequência e duração de gripes, resfriados e dor de garganta. Isso não incomoda muito quando a intensidade é fraca, mas se você fica doente com muita frequência em curto período de tempo, o rendimento cai, o estresse aumenta e você se vê novamente remando sem sair do lugar. E depois você olha pra trás e lembra que achava que a graduação era exigente - mas talvez realmente fosse, lá atrás.

Arremate

A grande pergunta que fica é: tudo isso vale à pena? O que pode ser feito para mudar esta situação? E se não há nada a fazer? Mas realmente não há nada a fazer?

Na condição de otimista inveterado e embasado em meu histórico, só consigo ver pela ótica de que tudo isso vale à pena. Talvez daqui a alguns anos eu mude de ideia, mas é o que eu faço hoje que refletirá quem serei no futuro. Além disso, toda essa dedicação não é livre de propósito, não estou fazendo isso só por fazer; quando não há um plano, um objetivo maior, acredito que é hora de parar e mudar de rumo, mas esse não é o caso. Sinceramente não vejo uma saída, mas também não me preocupo muito com isso, já que daqui a dois meses esse desgaste acaba e a qualidade de vida melhora. Brindarei com minha cerveja a um futuro brilhante e cheio de novos desafios. Tudo a seu tempo.

domingo, 3 de abril de 2016

Inaugurando o blog com "Bia"

      É dia de festa! Após muito pensar em criar um blog, visando a postagem de conteúdos diversos, eis que grudei a bunda na cadeira e forçei estes dedos cansados a digitarem as linhas que aqui se seguem. Para a estréia, aproveito um texto autoral de natureza fictícia, escrito recentemente - ele se chama "Bia". Espero que gostem!


Bia

      Era mais uma sexta-feira. Igual à anterior, e a anterior a ela. Mal sabia aquele rapaz que sua vida mudaria de maneira irreversível. Tudo começou naquele lugar que ele chama de lar, embora não seja sua residência. Uma república de estudantes que outrora frequentou e à qual retorna quando busca a felicidade.
      Como de costume em dias de festa ou, melhor dizendo, como é lei em dias de festa, o rapaz sentou-se no confortável sofá azul da sala de estar e fez estalar a tampa da lata de cerveja: naquele momento foi decretada a largada, o início do esquenta, o início da noite. Lata após lata, um copo atrás do outro e isso continua a noite toda - eu vejo a marca na parede. Vês?
      Mas o relógio tratou de interromper o rapaz e seus amigos da árdua tarefa de embriagarem-se até o limite no qual conseguiriam chegar na festa apresentáveis. E seria difícil, pois nesta festa os homens vestem-se como mulheres e vice-versa. Saia preta e blusa vermelha. Rubro-negro até a medula. E tu, és celeste?
      Foram necessários três minutos para convencer o motorista do ônibus que seria uma boa ideia deixar o rapaz dirigir, e ele não decepcionou. Avançou faróis vermelhos, subiu no meio-fio, e freou como se não houvesse amanhã, alucinado. Todos foram entregues em segurança. Preferes aventura à segurança?
      Já na festa, o rapaz se preparou para a apresentação da sua banda de pagode, na qual ocupa a posição de cavaquinhonista. Tocaram os melhores hits de É o Tchan, Inimigos da HP, Ramones e Madonna. Foi durante a apresentação que a viu pela primeira vez. Ele nem sabia, mas seu nome era Bia e ela se destacava em meio à multidão.
      Ao som de I Wanna be Sedated ela era imbatível; seus braços executavam graciosas coreografias, sempre em perfeita sincronia com aquelas pernas de gazela, reluzentes. O movimento de seu corpo era fluido tal qual água corrente descendo as sinuosas curvas de uma montanha suíça. A partir do momento em que o rapaz a avistou, ele soube: esta garota teria o incrível potencial de roubar seu coração. Já roubaste um coração?
      Quando acabou a apresentação ele desceu quase correndo do palco e foi pegar dois copos de catuaba Selvagem. Em meio àquele mar de gente, sentiu-se como Cabral em sua tentativa de chegar às Índias, mas sua Índia tinha outro nome - ela se chamava Bia. Por horas vagou até encontrá-la, mas não foi em vão, pois de perto aquela mulher era ainda mais deslumbrante. Já ficaste sem palavras?
      Puxou conversa, perguntou seu nome e ofereceu um dos copos de catuaba. A Bia não aceitou, então ele tomou os dois mesmo. Começaram a falar sobre turbinas de avião, passando por plantas exóticas e música clássica, temperada com muitas risadas. Ele sugeriu que talvez devêssemos esperar pelo Sol, mas não o fizeram, então anotou aquilo que pensava ser o número do celular da Bia, com a promessa de que mandaria uma mensagem no dia seguinte. Passaste números errados?
      Esta é a Bia. Dada a dificuldade de descrever alguém que não se conhece muito bem, fica o relato de como aquele rapaz a conheceu. Resta a derradeira questão: será a Bia "A Bia" ou será só "mais uma Bia" que um dia passou tal qual cometa?